Edição de 29 de Janeiro de 1997
Suplemento atualizado às quintas-feiras


Cientista nascido no Boqueirão é reconhecido mundialmente por pesquisa inédita

Precursor de uma das teorias científicas mais importantes do século, Celso Grebogi, venceu as dificuldades econômicas com muito trabalho para poder dedicar-se a sua maior paixão: os estudos


Luciana Borges

A Terceira Revolução do Século, a Teoria do Caos, a Teoria do Controle do Caos... Qual a dimensão de tudo isso? Um cientista curitibano resolveu colocar tudo na ponta do lápis e calcular o que todos diziam que era incalculável. Pioneiro no estudo e desenvolvimento da dinâmica caótica, Celso Grebogi (foto) vive, há 20 anos, nos Estados Unidos, dividido entre a saudade da vida brasileira e os incentivos das universidades americanas às pesquisas científicas.

Apesar da paixão pelo trabalho, Grebogi não abre mão de passar as férias em Curitiba com a família, que mora no Boqueirão. Depois de ficar um mês no Brasil, esta semana ele partiu para Washington, onde é professor titular de Matemática da Universidade de Maryland. Entre um passeio e outro, Grebogi ainda encontrou tempo para contar, com exclusividade à reportagem do Nosso Bairro, um pouco da sua história.

Pioneiros do bairro

A família Grebogi é uma das pioneiras do Boqueirão. Vindos de colônias polonesas, os pais de Celso, Afonso Grebogi e Maria Chrusciel Grebogi, foram uns dos primeiros a se instalarem no bairro, na década de 40. "Meus avós maternos, João e Verônica Chrusciel, vieram da Polônia e ficaram numa colônia em Erechim, no Rio Grande do Sul", conta Grebogi. "Da parte do meu pai, foram os bisavós que vieram da Polônia e instalaram-se na Colônia Muricy, em São José dos Pinhais", completa. Hoje, a casa construída, em 1877, pelo bisavô paterno de Celso faz parte do acervo histórico do Bosque João Paulo II.

Os pais se conheceram em 1942, quando Afonso Grebogi tinha sido convocado para a II Guerra Mundial e ficou um ano em treinamento acampado na Praça Rui Barbosa, em frente à Santa Casa, onde Maria Chrusciel era enfermeira em cirurgias. Maria tinha vindo, aos 14 anos, do Rio Grande do Sul, com uma freira, para fazer o tratamento de uma infecção nos olhos. "Na época ela nem sabia falar português", conta Grebogi. Eles casaram-se em 1946 e foram morar no Boqueirão. "O pai trabalhava na padaria do irmão dele. Era a única da região", lembra Grebogi. "A mãe lidava com vacas leiteiras e porcos e ainda aplicava injeções nos moradores da região", recorda-se.

Estudo e trabalho

Celso Grebogi ressalta que a vida para imigrantes era muito difícil, por isso, seus pais não puderam completar os estudos. "O que eles estudaram foi suficiente apenas para saber ler e escrever. "Eles eram extremamente pobres, por isso,não podiam ir para a escola em tempos de colheita", revela Grebogi. As dificuldades de estudo enfrentadas pelos pais fizeram com que eles sempre dessem muito valor aos estudos dos filhos.

Desde muito pequenos, os quatro filhos do casal, Celso, Cláudio, Nelson e Valdir, tiveram de aprender a conciliar o trabalho com os estudos. "Quando fiz sete anos, meu pai me disse que eu era suficientemente grande para começar a trabalhar", conta Grebogi, o filho mais velho. Em 1952, quando o pai, Afonso Grebogi, instalou um moinho de fubá no Boqueirão, todos os filhos começaram a trabalhar na entrega de pães. "Levantávamos às 4h45 para ir entregar pão na cidade. Voltávamos para casa às 7h30 para ir à escola às 8h. Depois das aulas trabalhávamos no moinho e, à noite, fazíamos as lições da escola", lembra Grebogi.

Celso conta que tudo isso foi fundamental para atingirem o sucesso profissional. Apesar da dificuldade econômica, todos os irmão se formaram pela Universidade Federal do Paraná, fizeram cursos de mestrado e especialização e conquistaram excelentes empregos. Hoje, Cláudio é diretor financeiro da Petrobrás na região sul do país, Nelson é superintendente da Copel e Valdir controla todo o mercado de filtros industriais no Paraná e Santa Catarina. E Celso, como pesquisador e cientista, ganhou reconhecimento mundial no meio científico.


Amor aos livros

A paixão pelos estudos começou muito cedo. Apesar de ter entrado tardiamente na escola, aos oito anos, Celso Grebogi sempre gostou muito de estudar. "Muitas vezes eu deixava de brincar para ficar em casa lendo e fazendo as lições da escola", conta. Desde a primeira série, ele já procurava leituras "extra-curriculares", uma prática que continuou pelo resto da vida. "Eu fiz o colegial técnico em Química Industrial, no Instituto Politécnico, naquela época eu já lia inúmeros livros sobre o assunto, por isso, quando estava fazendo o curso de Engenharia Química na Federal, eu já tinha lido quase toda a bibliografia indicada pelos professores", conta Grebogi.

Gosto pela física

Assim que aprendeu a ler, na primeira série do Grupo Escolar Nivaldo Braga, Grebogi já se interessava por livros sobre astronomia. "Eu me lebro que certa vez eu li que alguns planetas do sistema solar possuíam uma ou mais luas e comentei com meus pais que existiam várias luas e eles debocharam de mim. Um dia, a minha professora foi até em casa e eles perguntaram se havia mais de uma lua e ela disse que não. Eu fiquei profundamente magoado com aquilo", conta Grebogi. A partir de então, o cientista começou a dedicar-se a pesquisas e nunca mais parou.

Quando fez o vestibular, conta Grebogi, não havia curso de Física na Universidade Federal do Paraná, por isso, ele resolveu optar por Engenharia Química. A classificação em primeiro lugar no vestibular foi motivo de festa no bairro. "Na época, o Gustavo Schneider, irmão da Lala, que era minha colega, fez uma grande festa para a vizinhança para comemorarmos a minha entrada na Universidade". lembra. Passar no vestibular foi apenas a primeira de uma série de conquistas que se sucederam a partir de então.

Erasto Gaertner

Grebogi frisa que um fator de grande contribuição para o seu sucesso no meio adêmico foi o ensino básico. Da 5.ª à 8.ª série ele estudou no Colégio Erasto Gaertner, na época, Ginásio Erasto Gaertner. "Avaliando todas as instituições de ensino que freqüentei, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, para mim, o Erasto Gaertner foi a melhor de todas", diz Grebogi.

Conhecido como Escola do Alemães, pelos moradores do Boqueirão, o Colégio Erasto Gaertner, fundado em 1936 pela comunidade menonita, é reconhecido pela disciplina e pela atenção dispendida ao ensino. "Foi fundamental a disciplina e os conhecimentos adquiridos no Erasto Gaertner para a minha formação acadêmica", afirma Grebogi.

Assim como outros ex-alunos do Ginásio, Celso Grebogi guarda recordações da época em que o Boqueirão era um grande banhado. "Tenho saudades dos tempos em que passeávamos de bicicleta pelos campos e brincávamos nos banhados e cavas de areia. Naquela época não tinha energia elétrica, não tínhamos estes brinquedos eletrônicos, apenas aproveitávamos a natureza", diz Grebogi.


A Teoria do Controle do Caos


Férias em família: Greboji com os pais e a mulher, Adriana

Os estudos nos Estados deveriam ter sido breves, no entanto, Celso Grebogi já está há 20 anos fora do Brasil. O que, a princípio, deveria ter sido apenas alguns anos de curso de doutorado, acabou se transformando num trabalho de repercussão mundial. A Teoria do Controle do Caos, com as suas diversas aplicações, trouxe o reconhecimento científico ao seu precursor. Grebogi, que já foi premiado oito vezes em toda a sua carreira, no ano passado recebeu o título de Doutor de Honoris Causa, da Universidade de Potsdam, em Berlim. Celso Grebogi conta porque resolveu ficar nos Estados Unidos, o que é a Teoria do Controle do Caos e como é a sua vida em Washington.

 

Quando terminou a faculdade já tinha planos de ir para os Estados Unidos?

Na realidade, quando eu terminei o curso de Engenharia Química, fui para o Rio de Janeiro fazer mestrado. Fiquei três anos e meio lá estudando e dando aulas de Física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Então, em 74, ganhei a bolsa Fulbright Fellowship, para cursar doutorado na Universidade de Maryland, em Washington. Foi aí que eu decidi que iria fazer doutorado nos Estados Unidos, mas a minha intenção era voltar para ser professor da Universidade Federal do Paraná.

 

Se você queria voltar, por que decidiu ficar por lá?

Quando eu terminei o curso de doutorado, fiz vários contatos com algumas universidades brasileiras, mas em 80 e 81, a crise econômica do Brasil estava pressionando muito as universidades. Então resolvi ficar nos Estados Unidos onde eu podia me dedicar mais às minhas pesquisas.

 

Quando você começou a se interessar pela Teoria do Caos?

Como eu resolvi que não viria para o Brasil, fui fazer pós-doutorado na Universidade da Califórnia. Lá, eu e um grupo de amigos começamos a estudar a Teoria do Caos, a terceira revelação científica deste século.

E a Teoria do Controle do Caos, quando surgiu?

Até então, dizia-se que existiam fenômenos extremamente complexos, cuja imprevisibilidade era irreversível. O que eu fiz foi entender as propriedades matemáticas destes fenômenos e provar que eles não eram tão imprevisíveis assim e que podiam ser controlados. Em 1990, divulguei o primeiro trabalho sobre a Teoria do Controle do Caos.

 

Quais as aplicações desta teoria?

Desde sua elaboração, a Teoria do Controle do Caos já teve inúmeras aplicações, eu poderia lhe citar várias. A teoria pode ser utilizada para controlar qualquer sistema em que haja a dinâmica caótica. Por exemplo, hoje, na medicina, a Teoria do Controle do Caos está sendo utilizada para controlar a arritimia cardíaca, uma vez que os batimentos do coração são caóticos. Ainda na medicina, a teoria também está sendo utilizada para o controle da epilepsia.

 

Com uma descoberta desta dimensão, como é sua vida?

Para você ter uma idéia, eu passo 200 horas, por ano, no avião. Além das aulas de matemática na Universidade de Maryland, sou convidado com muita freqüência para proferir palestras em todo o mundo. Desde 1982 eu já proferi mais de 100 conferências, 17 cursos e 133 seminários. Fora as palestras, ainda tenho inúmeras atividades como a orientação de 24 pesquisadores do mundo todo - dois do Brasil, o Ricardo Viana e o Epaminondas Rosa Gallas - e o envolvimento com diversos centros de pesquisa.

 

Em meio a tanta atividade ainda sobrou tempo para namorar?

(Ele olha para a aliança no dedo, meio encabulado). Para dizer a verdade, eu só me casei em novembro do ano passado, aqui no Brasil e com uma brasileira. Nós nos conhecemos em julho de 96, em Caldas Novas (GO) e com quatro dias de namoro ela aceitou ir para Berlim comigo. Quando voltamos para o Brasil, em julho do ano passado, eu a pedi em casamento. Agora estamos aguardando o visto da embaixada americana para que ela possa ir comigo para Washington.